quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

*APOCALYPTO: O "QUERIDINHO" DOS HISTORIADORES E ANTROPÓLOGOS


Tão cercado de polêmicas (o que fez com que a bilheteria aumentasse em U$ 14,1 millhões só na estreia) e não poucos erros históricos, Apocalypto também possui aspectos positivos a serem analisados no decorrer da história dirigida por Mel Gibson.

Aliás, com mais essa direção e roteiro (sendo o roteiro compartilhado com Farhad Safinia), o diretor comprova o seu fascínio por cenas realistas ao extremo, para não dizer sangrentas ao extremo, e pela interessante forma de representar o declínio de uma civilização que se corroe por dentro.

Mel Gibson, filho de Huton e Anne Gibson, nasceu em 3 de janeiro de 1956 e Nova Iorque, EUA. Depois de algum tempo, Gibson e sua família se mudaram para a Austrália e foi lá que ele se formou em Artes Dramáticas (pela Universidade de Sidney). Começou a carreira em séries televisas e logo estreou no cinema com o filme Mad Max (1979), como protagonista. Após isso, Mel Gibson estrelou outros filmes de expressão e ganhou o sucesso da crítica (e o Oscar de Melhor Diretor) por dirigir seu primeiro longa-metragem: “Coração Valente”. Sua filmografia (como diretor e roteirista) ainda inclui os longas-metragens O Homem sem Face (1993), o já citado Coração Valente (1995), A Paixão de Cristo (2004) e este que aqui analisaremos Apocalypto (2006).

Se usando da mesma tática do seu último filme, que era todo falado em latim e aramaico, Mel Gibson também passa ao espectador mais realidade ao ouvir os atores (em sua maioria mexicanos) falando em yucateco (um dialeto da língua maia já quase morto). Toda a trama se inicia em uma tribo de maias primitivos, que tem por meio de sobrevivência a caça selvagem. É nesse local que vive o personagem principal, Jaguar Paw (Rudy Youngblood), jovem guerreiro da tribo que já possui um pequeno núcleo familiar: um filho pequeno e a mulher grávida novamente.


Todos vivem em paz com eles mesmos e a natureza, até que são surpreendidos por uma invasão de guerreiros de outra tribo maia, que mais adiante se percebe ser bem mais “civilizada” (em termos de roupagem e administração). Na terrível luta muitos dos primitivos e dos “civilizados” sucumbem, mas uma grande parte de homens e mulheres fortes são levados para fora da tribo. Porém antes de ser capturado, Jaguar Paw esconde sua mulher Seven (Dalia Hernandez) e seu filho em uma gruta profunda. Após isso é obrigado a ver seu pai sendo morto e ele próprio ser amarrado com os outros de sua tribo, e serem levados para uma tribo desconhecida.

As crianças e alguns idosos ficam desolados pela mata, sozinhos. A tribo que os captura os faz passar, durante todo o percurso, por situações terríveis; como atravessar uma correnteza de rio com braços e tronco atados, penhascos altíssimos e sem falar na violência explícita a que são submetidos (aliás, outro aspecto que polemizou ainda mais a obra). Também nesse caminho eles encontram uma menina maia com uma doença contagiosa, que adverti a tribo mais civilizada para que tomem cuidado com aquele que leva a pata de jaguar (ou seja, uma profecia que faz menção clara a Jaguar Paw).



Ao chegar à tribo vizinha, Povo da Bandeira do Sol, é possível notar que se trata também de uma tribo maia, pela língua e por algumas semelhanças nos vestuários e acessórios (piercings, pintura e cicatrizes enormes provocadas por eles mesmos como mostra de bravura). O que os distingue da tribo mais primitiva, é o sistema hierárquico de governo e a prática de escambo, além disso, há uma grande concentração de pessoas, o que determina claramente um maior desenvolvimento daquela povoação.

Assim, o objetivo daquela captura se define rapidamente aos olhos de todos: as mulheres novas são vendidas numa espécie de mercado humano e os jovens rapazes, pintados com uma tinta azul índigo, são levados ao alto de uma pirâmide tipicamente maia, para serem sacrificados a Kulkulan, um dos deuses de veneração do povo politeísta que eram os maias. O sacrifício seria necessário para que voltassem a prosperar suas safras e que as doenças se afastassem de seu povo.

Desse modo, ante todo o povo maia, os capturados têm suas cabeças degoladas no alto da pirâmide por uma espécie de sacerdote. Quando chega a vez de Jaguar Paw, ocorre um eclipse solar o que indica a saciedade do deus quanto ao sacrifício. Por isso, durante toda a captura ele é chamado de “Quase”, pelos outros, por sempre escapar da morte (na realidade ele cumpria sem saber a profecia da menina).

Quando tem a chance de escapar, Jaguar Paw mata o filho do grande guerreiro chefe, então segue mais uma perseguição por entre a mata. A ‘caçada’ só termina com a morte do grande guerreiro da tribo civilizada, do mesmo modo que havia morrido o animal caçado da primeira cena do filme. Já no final, Jaguar resgata sua mulher e seus filhos (a mulher havia entrado em trabalho de parto dentro da gruta, quando esta estava sendo inundada pela água da chuva),e lá ao longe aparece a esquadra dos espanhóis que chegavam para colonizar o povo maia.

Analisando sob a ótica cultural e antropológica, o filme Apocalypto nos mostra dois povos da mesma cultura, mas com desenvolvimento social e até econômico superiores. Do mesmo modo, o que ele tenta passar ao espectador é esse paradoxo onde civilizado age como primitivo, fazendo assim uma rápida analogia com os dias contemporâneos. O aspecto da violência é outro grande assunto a ser debatido na obra, porém o que se torna relevante é analisar a importância religiosa que havia nos sacrifícios humanos para os maias. Se houve exagero ou uma carnificina desnecessária por parte de Mel Gibson, os próprios descendentes do povo maia já manifestaram a sua revolta com a quantidade de corações arrancados durante o filme.


Na tribo de Jaguar Paw, é natural que se apresentem seminus ou possuam ainda vários adornos pelo corpo, principalmente alargadores. No que diz respeito à formação social da tribo, nitidamente se percebe a importância da prole para a vida dos maias, ali a família simboliza uma união estável e até mesmo de status respeitável (é possível ver que em cenas cômicas, um dos personagens da tribo não consegue ter filho e é ridicularizado pela sogra perante todos os moradores dali). Já a questão dos anciãos, é mais clara ainda, quando numa típica comemoração ao luar, o maia mais idoso é quem repassa as histórias oralmente à tribo. É ele que detém sabedoria e experiência, é ele quem aconselha a tribo sobre a insatisfação do homem (outra analogia profunda com o materialismo dialético).

A mulher maia é representada no filme sem muito destaque e as crianças também possuem papel social secundário durante a trama.

Ainda em relação à distinção dos dois povos, é possível ver que pela pintura e o vestuário na tribo civilizada há separação social, ou seja, o rei e a rainha do Povo da Bandeira do Sol têm um adorno maior de pedras preciosas e plumagens únicas. Já os guerreiros se diferenciam não só pelo uso das armas, mas também pelo uso de acessórios como ossos de animais e pela rudeza de suas cicatrizes mais avantajadas. O restante da população tem uma vestimenta bem similar uns com os outros, sendo diferentes apenas dos que vestem uma espécie de pano entre as pernas e têm o resto do corpo encoberto pela poeira (isto é, os escravos que aparecem nitidamente trabalhando nas construções da tribo).

No tocante aos erros históricos que permeiam a obra e dificultam uma análise mais profunda, é difícil crer que uma obra que custou 40 milhões de dólares e foi gravada nas florestas do sul do México (ambiente quase exato do modo de vida dos maias), tenha se esquecido de retratar a cultura maia que não a visual com mais precisão (não é apresentado durante o filme, as invenções ou conhecimento astronômico dos mais e nem a complexa e significativa cultura maia). E o pior erro de Mel Gibson, foi tentar mostrar que as sociedades mais só foram vencidas pelos espanhóis porque estavam desestruturadas internamente. Quer dizer, é sim verdade que a etnia maia teve conflitos internos, porém a chegada da esquadra espanhola com os colonizadores só se daria 300 anos depois da destruição da última cidade maia.

Quanto à língua falada pelos personagens (inclusive interpretados por doze atores de origem maia), esta sim foi duramente criticada pelos falantes nativos. Mais uma mostra de que a pesquisa etnográfica foi feita superficialmente, pois segundo os nativos, até mesmo as vogais não eram alongadas quando necessárias, somente a atriz-mirim Isidra Hoil (a menina que pressagia a vida de Jaguar Paw e o fim dos maias) e o velho ancião, Espiridion Acosta Cachê, da tribo primitiva o faziam fidedignamente.

Apocalypto tem seu prestígio mais visualmente do que historicamente e denota que para a indústria cultural ele é uma ótima obra que mistura cenas épicas com ação, todavia para fins de estudo antropológicos, não passa de mais um filminho com muitas informações desconexas e sem qualquer linha histórica ou cronológica fidedigna.




LOPES DA SILVA, Anderson


*Resenha crítica escrita como forma de avaliação para a disciplina de COMUNICAÇÃO E CULTURA BRASILEIRA, ministrada pelo Prof. Esmair Lopes Camargo

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